quarta-feira, 31 de julho de 2013

Julho/Inverno e Guerra

Julho/Inverno e Guerra

          Sejam bem vindos a mais um mês do céu literário! Desta vez, contamos com 5 autores, 7 contos e 2 temas! Sim meus queridos, houve um empate em nossa enquete e graças a isso, esse mês trago a vocês prosas e poesias sobre o inverno, a guerra e outros sobre ambos. Vamos a eles?
           Começaremos pelo Huirian, que desta vez nos trouxe três espetaculares textos. Vamos começar pelo meu preferido, nele Diones invoca Azrael para tratar da guerra, em uma linguagem quase que mpbistica. Depois, vem Invernos e Invernos que conta com os dois temas, somados com o desenho favorito do autor, "Hora da aventura" e, por ultimo o não menos filosófico Gelo Lunar que trás para nossa realidade a espera e o frio de só mais um homem perdido no espaço.
            No próprio blog do céu, Daniel Henrique faz sua primeira aparição no projeto, trazendo ambos os temas, a guerra vem como uma lembrança sempre presente no duro inverno de Lisa e o velho da rua Milmms. Outra lembrança de guerra é trazida por Vitor Vallombroso, vulgo eu, onde ele fala dos terríveis encontros entre piratas, testemunhados por uma enseada sem nome, e de como sobrevivem objetos graças a  alma de capitão (.De capitão) pirata.
            Mara nos trás os acontecimentos diários em inúmeros lares mundo a fora, uma guerra crua e impressionante. Encerrando o mês, um maravilhoso texto trazido a público por Lucas rodrigues, no ual ele trata da pior sensação, quando o inverno da alma e a estação mais fria do ano resolvem incidir sobre um mesmo pobre homem, com casacos cheirando a Naftalina.

          Não deixem de convidar seus amigos amigos escritores para o grupo, e de curtirem a página, agora mais ativa do ue nunca, trás os textos primeiro até vocês.
         

sexta-feira, 26 de julho de 2013

LISA E O VELHO DA RUA MILMMS - PARTE I

LISA E O VELHO DA RUA MILMMS


PARTE I

Uma Apresentação:

Vejam, aquela é Lisa Llibre chapinhando na lama lodosa da calçada da velha Rua Milmms, lutando contra o frio enregelante para chegar em casa, o casaco medíocre de algodão puído colado precariamente ao corpo magro, a mochila escolar pendendo do ombro esquerdo, cinzenta, e um cachecol fazendo rima com a toca de lã igualmente gasta, que era velha o bastante para não esquentar as pobres orelhas geladas.
Lisa está voltando da escola, como me lembro de vê-la todos os fins de tarde neste mesmo horário. Olhem, acabou de passar pela janela embaçada do n°. 5 e endereçou um adeusinho e um sorriso infantil a mim, certa de que no dia seguinte irá tomar uma soberba xícara de chocolate quente em minha cozinha mal-assombrada.
– Boa-noite, Lisa.
Admiro o breve rodopiar da bruma sobre as calhas por mais alguns segundos e volto para o abrigo de minha lareira, cônscio de que a jornada de Lisa ainda não terminara.

Era tudo uma lembrança.

† † †

Uma Garota Valorosa:
Essa garotinha de sobrenome e proveniência medianamente estranhos de que estamos falando, ainda tinha que descer uma longa ladeira e depois subir outra igualmente íngreme antes de finalmente se abrigar em casa.
Aliás, uma casa realmente deprimente: o último edifício da Rua Milmms, a residência dos Hemersonn – pais de criação de nossa heroína (oh, sim, Lisa mostrar-se-á uma verdadeira heroína muito em breve) –, era equilibrada no alto da ladeira, ao lado de uma fétida pilha de lixo; as janelas encarvoadas e quebradas, prova contundente de que a família era realmente odiada pelas crianças encapetadas do bairro e suas respectivas mães, faziam coro com o telhado desaparelhado e decadente que, por sua vez, refletia a palidez acinzentada das paredes e dos penachos de grama ressequida que compunham o jardim.
Nas poucas vezes em que visitei o casa dos Hemersonn, as únicas coisas que presenciei foram, a grosso modo, o frio, as cinzas e o escuro – isso sem falar na fome. Esta, assoladora e presente.
Embora desajeitada e estranha (as mães e avós da rua sempre proibiam que seus filhos e netos se aproximassem da “garota loirinha e corcunda” do n°. 13), Lisa era uma criança realmente adorável. É verdade que era canhota, e isso não era nada bom para um velho supersticioso como eu, mas, ainda assim, tinha seu verdadeiro valor.
Isso porque Lisa Llibre sabia ler – em verdade, é possível que, na época, Lisa fosse a única garota que soubesse ler naquela região da cidade.
Amava a leitura como se fosse uma entidade viva e reverberante; como se fosse um irmãozinho, ou um amiguinho seu. E mais que a leitura, amava seus livros.
Sim, Lisa tinha livros: muitos deles. Embora, na época de que estamos falando, ainda não tivesse adquirido sequer o primeiro.
E foi ela que, nos últimos anos antes de minha morte, me mostrou um outro mundo – o mundo que um velho sobrevivente da guerra ainda não conhecia.
Sentada sobre meus joelhos artríticos, na velha poltrona de xintz, Lisa me mostrava reinos e seres encantados. As pequeninas fadas e elfos a maravilhavam, ao passo que as feiticeiras malvadas e feias, munidas com vassouras e caldeirões mágicos, a deixavam mortificada de medo.
Lisa Llibre lia para mim.
E foi a partir de sua voz que eu conheci as múmias do Egito e o rio Ganges, na Índia, ao mesmo tempo em que desbravava, com destemidos cavaleiros, territórios míticos, outrora inventados.
Tudo o que a pobre garota me pedia era que eu lhe preparasse uma xícara de chocolate bem quente – e cheia –, antes de começarmos uma nova história. Na cozinha cavernosa e escura, Lisa jogava o cabelo louro-sujo para trás do tubérculo que lhe atrofiava as costas e se debruçava sobre a mesa. Sobre a comida.
Hoje penso que a pobrezinha usava toda aquela situação como simples desculpa para abocanhar algo. Como já lhes disse (e peço perdão ao leitor caso esteja sendo repetitivo em demasia), tudo o que vi na residência dos Hemersonn foi frio e fome – fome assoladora e presente.
Em uma de suas muitas visitas à minha casa, Lisa revelou-me que, de fato, o lugar mais confortável e acolhedor daquele lugar era o porão.
Era lá que ela se refugiava. Oculta sob camadas e mais camadas de lençóis velhos a guisa de tenda, a garotinha lia suas histórias.
E se permitia sonhar.

† † †

O Primeiro Livro:
Às vezes os livros eram da biblioteca. Todavia, um deles fui eu que lhe dei.
Um excepcionalmente especial.
O repertório de histórias encantadas de Lisa estava acabando, de modo que, ao vê-la voltando para casa em mais um fim de tarde de junho, com as narinas avermelhadas e a corcunda congelada, convidei-a a entrar.
O presente a esperava sobre a mesa nodosa da cozinha.
Capa de couro vermelha mole e desbotada, com uma fivela dourada servindo de fecho. Páginas amareladas recendendo a mofo. Caligrafia do título preta e inclinada. Manuscrita.
Lisa não acreditou que aquilo era para ela. Um presente, imagine! Perguntou o que eu iria querer em troca. Sabina a havia advertido contra velhos tarados e golpistas. A garota achava que saberia se defender – se precisasse.
Voltou para casa mais contente naquele dia. O sorriso que endereçou a mim do outro lado da janela não foi mais um reflexo do conformismo. Ela estava realmente feliz. Ganhara seu primeiro livro. O primeiro de muitos. Aquele que mudaria para sempre a sua vida...
Não contei a ela como adquiri o livro, naturalmente. Eu não o tinha trocado por dinheiro, como as pessoas comuns geralmente fazem. Mas eu não era uma pessoa comum.
Eu era Wagner Abucater, veterano de guerra.

† † †

Uma Menina Fiel e Um Péssimo Fritador de Ovos:
Quando Lisa bateu na porta enodoada de minha residência, naquele sábado de 1961, eu já sabia a razão da visita.
O livro estava fortemente preso sob seu braço raquítico. A fivela da capa brilhava para mim como mísseis sendo atirados contra costas virgens. Um zumbido surdo. Pausa. E depois destruição.
– Bom-dia, Lisa – cumprimentei-a como sempre fazia.
Ela vinha sempre aos sábados. Era quando não tinha aula.
– Veio me contar uma nova história? – perguntei, enquanto colocava o leite para esquentar no fogão incinerado. O móvel doméstico já havia entrado em combustão duas vezes anteriormente, enquanto eu tentava fritar ovos.

Pausa para nota: Nunca soube fritar ovos!

Lisa continuou silenciosa, a um canto. Levando em consideração esse hábito seu, é possível afirmar que seria uma boa soldado. Aproximei-me dela e desferi-lhe um peteleco no nariz diminuto com dedos rugosos. Consegui despregar-lhe um sorriso.
Foi então que ouvi o que jamais esperara em nenhuma de suas visitas.
– Hoje, eu quero ouvir uma história!
Olhei-a por um breve momento.
Eu só conhecia uma...

A xícara de chocolate numa das mãos, Lisa levou a outra até o meu joelho estagnado.
– Eu senti! Eu senti! – gritou de admiração seguida de assombro. – É tão estranho! E durinho. Parece uma pedrinha. Sabe, daquelas que a gente encontra perto do rio.
– É uma bala, Lisa – segredei-lhe, abaixando a voz para parecer mais assustador.
Contei-lhe dos tempos que tinha combatido na Primeira Guerra Mundial. De tudo que vira (bem, de quase tudo – não queria assustar a menina), e dos sons que ouvira. Ah, aqueles sons. À noite, quando me deito (não para dormir, obviamente), ainda consigo ouvir os zumbidos na minha cabeça – juntamente com o grito de órfãos perdidos e mães sem filhos.
– É por isso que o senhor tem só a metade do nariz? – perguntou-me ela, sorvendo chocolate quente, o dedinho levantado graciosamente.
– Sim – ciciei numa voz baixa e afunilada.
A garota pousou a xícara sobre o pires, no braço torto da poltrona, antes de apalpar o que restara de um nariz destruído pelos estilhaços de uma bomba. Era a terceira vez que Lisa fazia isso. E em todas as três eu pude ver um certo ar de cumplicidade em seu sorriso.
Eu sabia como era conhecido na rua. Como as crianças me chamavam. E ela experimentava a mesma sensação que eu, também. Numa quinta-feira modorrenta de dezembro do ano anterior, Lisa esmurrara minha porta, chorando. Estava coberta do que outrora foram ovos chocos, urina e cocô. Disse que alguns colegas da escola tinham feito aquilo. Que a haviam surpreendido numa esquina sem movimento...
Afirmou-me, enquanto eu tentava tirar o grosso da sujeira, que a cara de nojo que eles tinham feito ao olhar para a corcunda dela era pior que todo o resto. Não são muitas as crianças de oito anos que carregam um pequeno morrote sobre as costas por aí, para onde quer que vão.
– Sabina vai me matar! – lamentara-se tristonha, antes de ir embora.
O odor pútrido continuou azedando a minha cozinha pelas duas semanas seguintes.
Mas valeu a pena: a garota não estava mais chorando, quando saiu dali. Pelo menos não da mesma forma. Os olhos mareados eram por causa do mau-cheiro.
– Hmm, bem... – disse. – Já contei minha história. Agora é a vez da sua.
Quando disse isso, Lisa desceu do meu joelho bom e escorregou para fora da poltrona desbotada. Observei, não pela última vez, como seu corpo parecia pequenino em contraste com a parede ao fundo.
– Parece aflita.
Lisa ensaiou um sorriso despreocupado.
– Ah, não. É que estive pensando em algo.
– Conte-me!
– Os milagres existem, não é? – perguntou inesperadamente.
Eu nunca tinha debatido “assuntos profundos” com a criança Llibre até aquele momento, de modo que é imaginável o quanto fiquei surpreso.
Gaguejei. Limpei a garganta três vezes, tentando tomar ar. Cocei os fiapos de cabelo ralo que sobravam dos lados de minha cabeça. E finalmente disse:
– Sim. Acho que existem. É isso que os padres e pastores afirmam, não é?

Pausa para nota: A família de Lisa era protestante. Não acho que isso seja realmente importante, algo que deva ser obrigatoriamente relatado; contudo, é melhor pecar pelo excesso do que pela omissão.

– Você não acredita – vomitou ela, e aquelas palavras foram como mil bofetadas para mim.
Pensei ter presenciado o primeiro comentário maldoso de Lisa. E isso seria absolutamente normal. Afinal de contas, essa nossa amiguinha sutil faz parte da condição humana: a maldade.
Estava enganado.

Respirei fundo mais uma vez. Eu não me considerava propriamente um ateu. Só não estava em condições de acreditar em Deus naquela época, ou em Alá, Buda, qualquer divindade que fosse.
– Eu acredito – tornou ela, os olhos serenos espiando o poço profundo de minha alma. – E considero o senhor como um. Sobreviveu à Grande Guerra. Tem uma bala alojada no joelho e ainda assim consegue andar... mancando. Perdeu metade do nariz, é verdade, mas aqueles estilhaços poderiam ter atingido um olho seu. Ou os dois...
Parou de falar hesitante, e o silêncio procedente à voz nasalada de Lisa pareceu-me sepulcral. Coçou a ponta do nariz, ingenuamente.
– Você ouviu isso na igreja, Lisa.
Bebericou o chocolate por alguns segundos, silente.
– Não. Na aula dominical eu aprendi que fé é crer naquilo que não podemos ver, tocar ou sentir. Você não se enquadra nisso. É diferente.
Pensei em Magda. Em Pedro. Em Lúcia e em Nuno. Decididamente, eles não faziam parte de um milagre, embora eu não pudesse vê-los, tocá-los ou senti-los novamente – ainda.
– Só um milagre pode me ajudar agora, Seu Wagner – disse ela. E vi que gotículas cristalinas se formavam nas bordas de seus olhos. – Por isso, os milagres têm que existir. Eles têm.
– Lis, querida, acho que já está ficando tarde. Seus pais ficarão preocupados com você – falei clara e pausadamente, os olhos marejados. – Acho que é melhor você ir andando. Já terminou seu chocolate? – tomei a xícara de suas mãos. – Amanhã você volta, sim?
Ela continuou parada ali, evidenciando sua pequenez.
Um galho bateu na vidraça de uma janela lá de cima, em algum lugar.
Uma lágrima atravessou um rosto jovem.
O cuco badalou indolentemente.
– Lisa, vá embora!
Passos.
Ouvi a porta bater e depois tremer, no hall de entrada.


Eu não sabia que Lisa tentava me pedir ajuda.

Segunda parte | Ultima parte

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Junho/Milho

Junho/Milho

           Depois de muito tempo sendo sugerido, finalmente foi escolhido o milho, como tema do mês. Um tema desacreditado por muitos, inclusive este que vos fala, mas que rendeu textos magníficos e, sem mais delongas, vamos a eles.
           Primeiro, o Huirian um dos nossos mais queridos poetas, "Ouro de Palha" para se ler na calmaria do campo, e "Amor à Vinagrete" para se ler nos agito da cidade me apaixonei por ambos, e por isso recomendo suas leituras.
           Sobre "O Apanhador", texto de nossa querida Dine, deixarei que outro de nossos autores comente, pois não saberia fazer melhor: "Eu gosto quando você escreve dando essa vida aos seus personagens, salvando-os nas entrelinhas, porque eu me vejo em Nôx, querendo ou não você sabe nos representar. Suas palavras cativam e seu enredo é sempre fabuloso, mesmo mesmo."
           E é com muitíssimo prazer que apresento textos de dois dos melhores autores que conheço e que decidiram prestigiar nosso projeto com um texto uno dos dois, "Visconde" ou "Visconde", que pode ser encontrando no Blog da Erica Prado ou do Lucas Rodrigues, como preferirem.
           Mais um mês e um tema se passaram e outros tantos virão, se quiser participar, fique a vontade para nos procurar no grupo, e se quiser ajudar fique a vontade para divulgar postagens desse blog ou de qualquer um dos participantes, ou ainda curtir a fanpage, que em breve trará conteúdo exclusivo do céu.